Tudo novo, de novo
Em janeiro, ela vai se
apaixonar, perdidamente; pela página em branco, pelo princípio de um movimento
qualquer, pela iminência de viver algo novo e incomparável, algo que só neste
ano poderia haver. Ela adora inícios. A sensação de não saber onde pisa, de
tatear os rumos, de se deixar levar pelo primeiro vento que sopra.
Em fevereiro, ela vai se
permitir ir um pouco além, pisar fora das linhas de segurança, olhar o próprio
mundo de cima de uma árvore – de um outro quintal, quem sabe – sentir o calor
do asfalto com os dedos dos pés, abraçar a vida como faria o mais dedicado dos
foliões em plena quarta-feira de cinzas.
Em março, ela vai de encontro às
tempestades. Sapatear nas poças de chuva, se sujar de lama até os joelhos,
dormir ao relento, desdenhar do acaso. Vai se esquecer dos planos, dos amigos,
do emprego e de tudo que é cabível, apenas para conhecer a extensão de seus
limites.
Em abril, ela vai se olhar no
espelho e enxergar que o verão terminou. Foi-se o tempo da picardia, da
angústia e da afobação, dos exageros. É chegado o momento de pôr ordem na casa
e voltar-se para si, sem sobressaltos, de experimentar a plenitude reservada
aos que sabem que viveram intensamente.
Em maio, ela vai chorar. Não de
felicidade, tão pouco por desgosto ou remorso, mas talvez por reconhecer a
precária beleza do instante em que tudo está por um fio. O que ela foi e o que
pretendia ser, agora, são como duas metades estranhas que se distanciam, um
corpo que se desmembra sem qualquer resistência.
Em junho, ela vai adormecer
profundamente e sonhar com o que está por vir. No sonho ela alcança o que
buscava, no entanto, distraída pela inédita sensação de satisfação e alívio,
desperta, sem conseguir lembrar-se do que era. Ao abrir os olhos, o que há para
ser contemplado é o vazio.
Em julho, ela vai esmorecer. O
ano chegou à metade e a impressão é de que todo o caminho foi percorrido em
vão. Pela janela do quarto, parece que a cidade também parou: o ar gelado das
manhãs escuras, os galhos lisos nas árvores e o silêncio das ruas só reforçam o
desejo de nada ser.
Em agosto, ela vai hesitar; os
dias de estagnação e dúvida se foram, cedendo lugar à lembrança do que estava
em perspectiva durante os primeiros meses do ano. Se o tempo provou que não
eram planos viáveis, eis a oportunidade para elaborar outros, mais passíveis de
se concretizar.
Em setembro, ela vai voltar a
acreditar em si mesma, aprender a conviver com as lacunas, com a falta de
certezas, e a deixar-se permear pelo que está em volta. É primavera e, afinal,
o que significa o espocar das flores senão o prenúncio do recomeço?
Em outubro, ela vai arregaçar as
mangas, remexer a terra e dedicar-se à labuta, varar noites e noites
elocubrando maneiras de reaver seus sonhos, estes que lamentavelmente se
perderam ao longo do percurso.
Em novembro, ela vai sorrir e
agradecer aos céus por sentir mais uma vez o ímpeto da transformação correndo
nas veias, e por enfim compreender o imutável ciclo que rege sua existência:
esvaziar o que está cheio para preencher o que está vazio.
Em dezembro, ela vai se despir
de antigas convicções e, serena, abandonar o conforto de saber o que é para
entregar-se às imprevisíveis possibilidades do novo, de novo. É sempre assim
que acontece. Ao longe, já se faz sentir a brisa morna que anuncia o verão; é
tempo de, mais uma vez, apaixonar-se pela página em branco.